CONTESTAÇÃO, POESIA, ARTE E UNIÃO por Michel da Silva

O rap nacional é um estilo musical que se consolidou, com todos os méritos, como um representante de respeito na música popular brasileira atual. Muitos críticos ainda resistem á força dessa expressão dizendo que o rap é produzido no Brasil como forma de copiar o estilo estadunidense de ser. Quem é sabe: Nenhuma música, nenhuma expressão artística, surge de uma origem pura e única, pois arte é uma manifestação que se transforma constantemente.
Mesmo o rap que muitos afirmam ter surgido nos Estados Unidos, na verdade tem seus primeiros registros de estilo na Jamaica e até mesmo em alguns países do continente africano. Não é por acaso que foi justamente nos guetos afro-estadunidense que esse estilo se consolidou e se tornou o rap, que aqui no Brasil reflete, nas periferias, onde vive a maioria afro-brasileira, de forma diferente, pois corresponde a nossa realidade.


No rap a realidade é apresentada em forma de letra e música, ou seja, ritmo e poesia (Rhythm And Poetry). Por isso, podemos considerar que as letras musicadas no rap são de fato poesias. Poesias escritas na grande totalidade por artistas vindos das periferias de todo Brasil, poesias que retratam as dificuldades, a exclusão, o preconceito social e racial, mas também o valor e a dignidade da nossa vivência, da nossa cultura.

Ainda hoje os letristas de rap, que muitas vezes são os próprios Mcs, não gostam de serem chamados de poetas. Percebo que isso se deve ao fato de que muitos rappers não querem colocar como carro chefe de sua produção artística a palavra arte, pois se identificam primeiramente como contestadores, combatentes do sistema e não como artistas.

A palavra arte ainda é mal apresentada e discutida em nosso meio. Sempre que nos referimos a palavra arte ou artista, na mente de muitas pessoas vem à idéia: “Artista é quem é famoso, que aparece na televisão" (não importa como), mas vai muito além disso. Escrever um manifesto em forma de rima, de forma criativa e original não é somente um manifesto, é também uma poesia, uma expressão artística literária, é uma arte feita com propósito.


Quando a literatura passou a ser produzida nas periferias de forma mais intensa, não somente nas letras de rap, mas também através de obras de romance, jornalismo e até mesma na poesia escrita, nas obras de Carolina Maria de Jesus (pioneirissima), Ferréz, Alessandro Buzo e Sergio Vaz, por exemplo, a periferia passou a considerar a literatura de forma diferente, ou seja, a arte de forma diferente.
O que dizer de livros como Quarto de Despejo – Diário de uma favelada (Carolina Maria de Jesus) Capão Pecado (Ferréz), O Trem – baseado em fatos reais (Alessandro Buzo) e Colecionador de Pedras (Sergio Vaz), senão afirmar que é são obras literárias de qualidade e não somente protestos. A diferença é que a poesia na letra de rap, - ou até mesmo publicada em livros, como já fez GOG, Gaspar do Z´africa Brasil, Versão Popular, Cascão do Trilha Sonora do Gueto, entre outros - os nossos romances, contos, crônicas, ou seja, nossa literatura é uma arte que vem pra trazer uma proposta diferente, vem (r) evolucionando através da cultura, vem pra escrever e colocar em evidência tudo aquilo que o sistema não quer: Exigir nossa parte do bolo.

Eles (grande mídia, academias, centros elitistas) não afirmam que nóis somos escritores, músicos, artistas, pois não somos como eles, fazemos diferente, é nóis por nóis. O reflexo disso é grande número de livros, cds, filmes, teatro, saraus que está sendo produzido nas periferias. Já temos até Agenda Cultural e se não bastasse a Cooperifa ta organizando a Semana de Arte Moderna da Periferia. Tem muitos manos e minas unidos pra isso tudo acontecer, senão num vira!

O lance é o seguinte a cultura periférica ta unida, pra quem se identifica, pra quem já se ligou que num adianta querer ser artista de estrelato e não ter caráter, não ter atitude. Não adianta protestar e ser vaidoso, querer aplausos e não aplaudir o semelhante, desse jeito só reproduz o que já ta ai, o barato é pelo contrário e pelo diferente. O caminho da vitória ta mais que apresentado, é colocar em prática a proposta da nossa poesia, da nossa literatura, da nossa arte, pois o outro lado ta de chapéu e ainda pensa que a gente não tem arte própria, não tem cultura e continua corrompendo os que sonham em ser que nem eles, artistas da mesmice. Os opostos estão declarados, basta escolher qual será seu lado no campo de batalha. Porque “Sozinho se num guenta...”... Já diz o poeta.

*
*
*
Michel da Silva
Autor do livro "Desencontros" e co -autor de "Suburbano Convicto - Pelas Periferias do Brasil".